terça-feira, 23 de agosto de 2011

O que os outros escrevem...Miguel Sousa Tavares.

1 - Foi preciso a troika lembrar que existe o dr. Jardim e o seu incontrolável governo para que o ministro das Finanças também se atrevesse a aflorar o assunto. Sem falar de outras façanhas, Jardim tem para apresentar uma região endividada até ao absurdo, falida depois de décadas a ser financiada pelo continente, arruinada economicamente, com mais desemprego e desigualdades sociais que qualquer outra região de Portugal, cativa de um sistema de compadrio empresarial que ele consentiu e fomentou. Em todos estes anos, nunca ninguém - presidentes do PSD, primeiros-ministros, Presidentes da República - ousou metê-lo na ordem. Agora, descobrimos que vamos pagar pelas novas dívidas de Jardim mais 277 milhões - o equivalente a cerca de 13.500 milhões nas contas públicas, se todo o país se endividasse à escala dele. E, enquanto o resto do país sofre apertos, ele assim vai continuar até às eleições regionais de Outubro. É o ponto limite: veremos se Passos Coelho tem coragem para o que se impôe.

2 - Os impostos não param de subir, mas as receitas fiscais caem e a fuga de capitais para o estrangeiro dispara, porque há um limite para o que é suportável. Ufano, o primeiro-ministro gaba-se da coragem de ir ainda aumentar mais impostos e taxas, e tem para apresentar, do lado da contenção da despesa, uma mão cheia de nada. E prepara-se para diminuir o custo fiscal do trabalho, com a contrapartida da subida do IVA, assim procedendo a uma transferência de dinheiro dos trabalhadores para as empresas e apesar dos avisos de que isso aumentará o desemprego em vez de o diminuir. Espero bem que não queiram fazer da nossa economia um laboratório de ensaio de políticas ditadas unicamente por uma agenda ideológica - ainda por cima, aplicada apenas na parte fácil e conveniente.
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Extracto da crónica de Miguel Sousa Tavares no semanário Expresso.


terça-feira, 16 de agosto de 2011

O que os outros escrevem...O Brasil a ir embora.


Os imigrantes brasileiros estão a ir embora. Empregados de mesa e de balcão, esteticistas, manicuras, motoristas, mecânicos, pedreiros, porteiros, amas, grumetes, garagistas, e praticantes desses mil ofícios humildes ocupados por portugueses e estrangeiros. Sendo naturalmente afáveis pelo recorte da lingua, os brasileiros deram uma nota de cortesia em lugares onde a rispidez portuguesa era uso.

Talvez não se note a lenta partida, mas vai-se notar. E depois deles irão talvez os de Leste, os da Rússia, da Bielorrúsia, da Ucrânia, da Roménia, da Bulgária. Muitos destes imigrantes integraram-se, obtiveram passaporte português, naturalizaram.se. Os filhos nasceram em Portugal. Falam português. Muitos destes brasileiros são hoje brasileiros e portugueses e a ausência será sentida. Porque eles revitalizaram a nossa demografia, pagaram os nossos impostos, descontaram para a nossa Segurança Social. Ao cabo de tantos anos e de tantos engulhos, ver partir estes brasileiros é um sinal da nossa decadência.
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Extracto da crónica semanal de Clara Ferreira Alves na revista Única do semanário EXPRESSO.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

O que os outros escrevem...Do blog "Cantigueiro"

Morra Marta, morra farta!, bem poderia ser o título deste post... mas longe vá o agouro! A jovem, bonita e, pelos vistos, esfuziantemente talentosa Marta Neves, tem toda a vida pela frente e não passa de uma peça na engrenagem. Uma peça de luxo, convenhamos... mas não mais do que uma peça.

Vamos ao assunto. Seria fatal como o destino, que o “neoliberal-paspalhão” importado do Canadá para tomar conta do ministério da economia (e de mais não sei quantos), depois de ter sido o primeiro a vociferar histérica e teatralmente, numa ridícula intervenção em plena Assembleia da República, contra os gastos e a «ostentação» que encontrou nos seus gabinetes, se revelasse não só o campeão das nomeações que o “poupadinho” governo de Passos Coelho já fez em meia dúzia de dias (mais de quatrocentas, além dos, até agora, 51 "especialistas")... ainda consegue ser o autor das contratações mais espectaculares.

Como se não bastasse a contratação da Super-Marta”, por mais de 5000 euros mensais, para sua chefe de gabinete, já lhe arranjou a companhia de mais dois assessores... mas com ordenados de directores-gerais.

Para além da situação caricata que esta desfaçatez que vem criar nos diversos serviços públicos, onde muitas centenas de pessoas são tão ou mais competentes que estes seus “Super-Amigos”, mas nem por isso podendo sonhar com os ordenados destes, no fundo, esta estória mostra a arrogância e a atitude de puro saque e total impunidade com que este gang tomou conta da máquina do Governo. A coberto da apregoada inevitabilidade de tudo e do seu contrário e ao abrigo do imenso “guarda-chuva” da troika e das suas exigências, estes canalhas vão roubar tudo o que puderem, no menor espaço de tempo e pagando muito bem aos colaboradores (aqui o nome é mesmo colaboradores) que os ajudarem no assalto.

As carantonhas que encena para vender as suas “ideias”, tal como o sumo da argumentação com que as defende, ajudam a confirmar uma das minhas antigas convicções: um idiota, mesmo carregado de cursos, diplomas e doutoramentos... é aquilo que é. Neste caso, desgraçadamente, isso não o torna menos perigoso.

Seja como for, sempre na linha da minha proverbial caridade quase tipo cristã, dou-lhe um ajuda para custear as despesas do gabinete, contribuindo com a sugestão de um grande “patrocinador oficial” de que ele, por ter vivido no estrangeiro e não ver a nossa televisão, talvez nunca se lembrasse.

Façam o exercício. Imaginem o potencial publicitário resultante do facto de sempre que alguém telefonasse para o ministério e para o gabinete de sua excelência o ministro da economia (e de mais não sei o quê), Álvaro Santos Pereira, ouvir do outro lado:

“Ok, Ministério da Economia. Daqui fala a Marta.”

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Poema dos Dons - Jorge Luis Borges

Quero dar graças ao Divino
Labirinto dos efeitos e das causas
Pela diversidade das criaturas
Que formam este singular universo,
Pela razão, que não cessará de sonhar
Com um plano do labirinto,
Pelo rosto de Helena e a perseverança de Ulisses,
Pelo amor que nos deixa ver os outros
Tal como os vê a divindade,
Pelo firme diamante e pela água solta,
Pela álgebra, palácio de precisos cristais,
Pelas místicas moedas de Ângelus Silesius,
Por Schopenhauer,
Que talvez tenha decifrado o universo,
Pelo fulgor do fogo
Que nenhum ser humano pode olhar sem
um assombro antigo,

Pela carnaúba, o cedro e o sândalo,
Pelo pão e pelo sal,
Pelo mistério da rosa,
Que prodiga cor e que não a vê,
Por certas vésperas e dias de 1955,
Pelos rijos tropeiros que na planura
Arreiam os animais e a aurora,
Pelas manhãs de Montevidéu,
Pela arte da amizade,
Pelo último dia de Sócrates,
Pelas palavras que num crepúsculo foram ditas
De uma cruz a outra cruz,
Por aquele sonho do Islã que abarcou
Mil noites e uma noite,
Por aquele outro sonho do inferno,
Da torre do fogo que purifica
E das estrelas gloriosas,
Por Swedenborg,
Que conversava com os anjos nas ruas de Londres,
Pelos rios secretos e imemoriais
Que convergem em mim,
Pelo idioma que, faz séculos, falei
na Nortúmbria,

Pela espada e pela harpa dos saxões,
Pelo mar, que é um deserto resplandecente
E um número de coisas que não sabemos,
Pela música verbal da Inglaterra,
Pela música verbal da Alemanha,
Pelo ouro, que resplende nos versos,
Pelo épico inverno,
Pelo título de um livro que não li: 'Gesta Dei per Francos',
Por Verlaine, inocente como os pássaros,
Pelo prisma de cristal e o pêndulo de bronze,
Pelas listras do tigre,
Pelas altas torres de São Francisco e da Ilha de Manhattan,
Pela manhã no Texas,
Por aquele sevilhano que redigiu a Epístola Moral
E cujo nome, como ele teria preferido, ignoramos,
Por Sêneca e Lucano, de Córdoba,
Que antes do espanhol escreveram
Toda a literatura espanhola,
Pelo jogo de xadrez, geométrico e bizarro,

Pela tartaruga de Zenão e o mapa de Royce,
Pelo cheiro medicinal dos eucaliptos,
Pela linguagem, que pode simular a sapiência,
Pelo esquecimento, que anula ou modifica o passado,
Pelo hábito,
Que nos repete e confirma como um espelho,
Pela manhã, que nos depara a ilusão de um começo,
Pela noite, sua treva e sua astronomia,
Pela coragem e a felicidade dos outros,
Pela pátria, percebida nos jasmins
Ou numa espada velha,
Por Whitman e Francisco de Assis, que já escreveram o poema,
Pelo fato de que o poema é inesgotável
E se confunde com a soma das criaturas
E não chegará jamais ao último verso
E varia como os homens,
Por Frances Haslam, que pediu perdão a seus filhos
Por morrer tão devagar,
Pelos minutos que precedem o sono,
Pelo sono e a morte,
Esses dois tesouros ocultos,
Pelos íntimos dons que não enumero,
Pela música, misteriosa forma do tempo.